Para encerrar esta época de Micael, período do ano em que nos conectamos mais fortemente com a coragem de transformar os aspectos sombrios reconhecidos em nós mesmos, e de atuar no mundo de maneira criativa e não destrutiva, criei este conto inspirado numa história que ouvi há muitos e muitos anos.
O ofício do dragão
Era uma vez um reino que, frequentemente, sofria ataques de
dragões.
A população já não sabia mais como lidar com aqueles seres
que sobrevoavam os lares e em minutos queimavam casas e plantações.
O rei e a rainha já haviam tentado muitas coisas para que
seu povo sofresse menos, mas todas as tentativas haviam sido frustradas:
ofereceram animais em sacrifício, donzelas em sacrifício, anciãos em
sacrifício, tudo em vão.
Lançaram campanha para a invenção que pudesse proteger suas
aldeias e foram criadas armas e armadilhas, mas nada os detinham.
Então, contrariando o desejo da princesa de escolher aquele
com quem se casaria, o rei lançou um desafio. Não tinha mais o que fazer e,
mesmo sob os protestos da princesa, proclamou:
- Aquele que conseguir impedir o dragão de causar sofrimento
ao meu povo, aquele que conseguir proteger o meu povo do sofrimento dos ataques
do dragão, este desposará a princesa, minha filha.
Passaram horas, passaram dias, passaram semanas, e ... ao
contrário do que imaginava, não apareceu nenhum bravo cavaleiro, nenhum
audacioso príncipe, nem um jovem apaixonado para enfrentar tal desafio para
desposar sua linda filha.
Estava mais arruinado do que antes. Sacrificara o desejo da
sua filha e ninguém aparecia.
Enquanto isso, o dragão sobrevoava as aldeias, fazendo com
que o povo corresse para lá e para cá, escondesse as crianças em porões, e cada
vez construísse mais abrigos subterrâneos e vivessem ali na escuridão fosse
noite, fosse dia.
Até que um dia, apareceu por ali um jovem príncipe de um
reino muito distante, que ouvira as histórias sobre aquele reino e estava
disposto a enfrentar o terrível dragão.
Levou lanças, espada e escudo e resolveu se instalar como um
peregrino que logo partiria.
Assim poderia conhecer os hábitos daquelas pessoas e quem
sabe reconheceria o que tanto atraía os dragões para aquela região.
O dragão, sem saber de nada disso, continuou a sobrevoar as
aldeias daquele reino e lançar suas chamas sobre elas.
Numa tarde, o jovem príncipe, andando além da aldeia onde se
hospedara, deparou-se com um terreno onde se amontova resíduos de tudo o que os
aldeões já não queriam ou podiam mais usar. Tinha ali mesas partidas, cadeiras
quebradas, garrafas vazias, retalhos de tecidos, enfim, o que desprezavam era
jogado ali, tornando a paisagem feia e suja.
Nesse instante, o jovem teve uma idéia! Contou a todos e
pediu ajuda para construir um telhado e alguns espantalhos ao redor dessa
construção. Alguns ajudaram e outros debocharam de sua idéia.
No dia seguinte, ficou lá, sozinho, esperando o ataque do
dragão.
O dragão chegou, mostrando-se zangado, soltando fogo pela
boca e num instante tudo aquilo fora queimado.
O jovem príncipe aplaudiu contente.
E o dragão assustou-se, totalmente. Era a primeira vez que
alguém aplaudia o que fazia! E, muito desconfiado foi tirar satisfações com
aquele jovem:
- Por que me aplaude ?
O jovem explicou que ele fizera um favor para aquela gente,
queimando o que eles não queriam mais, esvaziando o terreno.
O dragão, não parecia compreender aquilo muito bem, mas
também percebeu que o jovem, além de contente com o que fizera não queria
machucá-lo e resolveu contar-lhe seu segredo:
- Também não gosto de machucar as pessoas, nem estragar o
que elas fazem, mas o calor arde dentro da minha boca e preciso colocá-lo para
fora.
Sabendo disso, o jovem encontrou um ofício para o dragão e
colocou-o junto com o ferreiro para forjar as espadas e outros utensílios de
ferro, e também junto com o vidraceiro, e assim criaram muitas peças lindas
enfeitando todo o reino.
Além de próspero, o reino tornou-se escola para todos os
aprendizes de ferreiro e vidraceiro.
E a princesa ficou muito feliz ao casar com o jovem
príncipe.
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